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O desaparecimento de Ilírio

Ilírio está desaparecido há dois anos, e ninguém dá notícia de seu paradeiro. Pode ser que o tenham matado e enterrado o seu corpo.
Hoje, pelas nove e meia da manhã, hora em que geralmente estou mal humorado, um sujeito tocou a campainha do portão eletrônico. Pelo espelho da sala, posto ali de propósito, vi a cara do visitante, e não gostei dele. Em todo caso, fui ver o que ele queria, e ele me disse que ali não, que era confidencial o seu recado. Abri-lhe o portão e deixei-o entrar. Estava pronto para reagir, a qualquer gesto seu.
O cara perguntou-me então por Ilírio. Eu sei lá!, respondi. Há mais de dois anos que não o vejo.
Então o visitante sacou do bolso do paletó, um cartão de debito, que me exibiu. Era uma conta de dez reais, de Ilírio. Tive vontade de expulsar dali o intruso, ainda porque ele mexia numa estatueta de bronze, que tenho sobre a mesa. Tomei-lhe das mãos a estatueta, e recoloquei-a no seu lugar. E, em todo caso, em memória de Ilírio, paguei aqueles dez reais de débito. Apontei então a porta da rua para o cobrador, e ele foi embora.
Havia deixado comigo o cartão do débito de dez reais. No verso dele, vi impresso um endereço: Parada do Corvo, n. 205.
Fui ver na planta da cidade onde era a Parada do Corvo. Era longe como o diabo.
Peguei o carro, e toquei-me para a Parada do Corvo. Muitos espaços vazios, muito capim, e só algumas casas que pareciam desabitadas. Achei afinal o número 205. Estacionei o carro, e saí, para investigar. Parecia um depósito. A porta de enrolar estava aberta. Entrei, e a escuridão reinante no lugar, em contraste com a luminosidade de fora, quase não me deixou ver nada. Só apalpei, na parede, uma coisa úmida.
Então, senti uma pancada na cabeça, e caí, desmaiado.
Quando recobrei os sentidos, estava deitado no chão de cimento. Tonto, sem saber o que havia acontecido. A cabeça doía-me muito.
A custo, consegui levantar-me e olhei em volta. E lembrei-me, despropositadamente, que estávamos ás vésperas do Natal.
No cômodo, que era exíguo e frio, vi, pendurados do teto baixo, uns cinqüenta pernis defumados.
Peguei dois pernis, e levei-os comigo, para o carro.
Voltei para casa. Telefonei para Luciana:
― Neste Natal, disse-lhe, teremos pernil defumado.

Anníbal Augusto Gama

CONTINUAÇÃO

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