English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

A morte de qualquer um

Desembarquei na mais do que modesta rodoviária, amarfanhado de corpo alma e roupa. Precisava de um hotel, de um banho e de cama. Mas naquele lugar haveria hotel? Haveria algumas pensões. Perguntei a alguém, e foi-me indicada a Pensão da Dona Floripes, na praça. Fui lá, e pedi um quarto com banheiro. Banheiro, só no fim do corredor. O quarto tinha uma cama de ferro esmaltado, e era decente. Uma mesinha, um cabide e algumas cadeiras. Tirei a roupa, vesti o roupão e fui para o chuveiro. Tomei um banho, voltei e deitei-me na cama.
Mais tarde, o marido de Dona Floripes, que não fazia nada, perguntou-me:
― O senhor, de onde é?
Respondi-lhe que era de todo lugar que me conviesse.
Tinha de achar quem a havia matado, mas as pistas eram muito vagas. Não sabia nem o seu nome, nem qual era o seu rosto. Aquilo ia demorar, e eu tinha de fazer alguma coisa para sobreviver.
Andei pelas ruas da cidade, e vi uma espécie de armazém, vazio. Vou abrir aqui um cinema, planejei.
Pude então dizer ao marido de Dona Floripes que eu viera para abrir um cinema na cidade.
― Um cinema? É bom, mas a gente daqui é muito tacanha.
Não foi difícil comprar o projetor, reformar o armazém, botar nele algumas cadeiras, a tela e alugar filmes baratos.
Nas primeiras noites, o cinema encheu de gente. Depois, começaram a rarear os frequentadores, mas dava para viver.
Fazia relações, buscava saber da vida de um e de outro. Soube de um sujeito que quase não vinha à cidade, e tinha uma fazenda, onde criava gado e plantava algumas roças. Pode ser ele, pensei.
Fui visitá-lo, encontrei-o só, deitado numa rede da varanda.
Ele quis saber:
― O senhor está procurando o quê?
― Estou procurando um sujeito que matou uma mulher ― respondi.
Ele riu.
― Todos nós já matamos uma mulher.
Visitei-o outras vezes e fui sondando. Descobri que podia ser ele mesmo.
Matei-o, e de modo que parecesse um suicídio. A arma na mão dele, e o tiro no ouvido.
Não desconfiaram de mim, porque eu não tinha motivo para matá-lo.
Exibi no meu cinema o filme “A morte de qualquer um”.
Talvez eu também tivesse matado uma mulher, e não sabia.

Anníbal Augusto Gama

próximo texto

HOME

Nenhum comentário:

Postar um comentário