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Instruções para ler um livro

Achei muito interessantes e úteis as “instruções para ler o livro”, que estavam nas primeiras páginas de uma obra do renomado Rolando Barates, e lembrei-me de que elas, mutatis mutandis (1), talvez pudessem ser aproveitadas por você, que há anos vem tentando ler o livro que está em sua mão esquerda (2). Vou, portanto, transcrever algumas das instruções:
Em primeiro lugar, abra o livro da direita para a esquerda, na folha de rosto (3). Este livro foi escrito em português e, portanto, deve ser lido da esquerda para a direita, o que não acontece com os livros escritos em árabe, ou em japonês. Vá lendo a primeira linha e, quando ela acabar, salte para a segunda, e assim sucessivamente.
Em segundo lugar, o que foi indicado (“salte para a segunda linha”), não impede que você salte da primeira para décima oitava linha, ou vire logo a página para outra, se você estiver com pressa, ou não lhe interessar a segunda linha nem as demais. Só faço uma observação: Como é que você vai saber que não lhe interessa a segunda linha ou as demais, se não as leu? Não interessa, pronto, e você está com pressa.
Em terceiro lugar, não engula muitas vírgulas. As vírgulas têm a tendência de ser enjoativas e, se você engolir todas, é certo que o seu estômago se embrulhará, e você terá de ir até a pia mais próxima, para as vomitar. Dispense também os pontos de exclamação e os de interrogação, pois alguns autores são muito admirativos e interrogativos, e você não é. As reticências, ou três pontos seguidos, são também dispensáveis, para quê esta mania de esbanjar pontos?
Em quarto lugar, se você encontrar parentes, ou parênteses, bote-os logo para fora, porque parente só os dentes, ou parente é serpente, como alerta aquele filme italiano.
Prossigo:
Se encontrar adjetivos, você que é jurista e sabe o que é “pacto adjeto”, e não ignora que o objeto é que leva a carga, dejete-os.
“Asteriscos” são sinais em forma de estrelas que remetem para baixo, para o rodapé, a explicação que o autor já devia ter dado antes e não deu. Se não deu antes, por que dar depois? Além disso, você não é barata para estar se enfiando nas frestas dos rodapés, nem astrônomo, para estar olhando o céu.
Todo livro traz, em cima de cada página par, o nome do autor e, em cima das páginas ímpares, o seu título. Ora, se o nome do autor já está na capa e no frontispício, por que o repetir centenas de vezes? Só se o autor for sujeito muito vaidoso, e está sempre com o próprio nome da boca. Se assim é, não merece a leitura do livro que escreveu (4).
No princípio do livro, você encontrará um índice, ou um sumário. O índice é aquele ovo que sempre se deixa no ninho da galinha, para que ela volte ali a botar outro ovo. Mas você, leitor, não é galinha nem bota ovo. Ou é, e bota? Aconselho-o a dispensar sumariamente o índice e o sumário.
Alguns livros trazem, ao fim, outro índice, denominado “índice onomástico”. Este sim, é útil, se você estiver à procura de um nome para dar ao seu filho recentemente nascido. Embora os nomes do tal
índice onomástico sejam quase sempre estrangeiros, e não sirvam para você, que é brasileiro.
As páginas de iconografia ou de ilustrações (principalmente de mulheres peladas) são as melhores do livro. Detenha-se nelas atentamente.
No fim do livro você pode encontrar a palavra FIM. Arre! Você chegou até o fim, ainda que tenha saltado muitas páginas.

(1) “Mutatis mutandis” é latim, e significa “montado no mutango. – (2) Talvez você seja canhoto. Se não for, não importa, segure o livro com qualquer uma das mãos, a menos que você seja maneta. – (3) “Folha de rosto” é aquela folha que você encosta no rosto. – (4) “Que escreveu”, em termos. Há autores que são analfabetos, e alguém escreve por eles.


Anníbal Augusto Gama

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