English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

As ossadas dos pobres

Também se noticia que sessenta e sete por cento das ossadas encontradas nos canaviais não são identificadas. Serão, certamente, as ossadas dos pobres, e de alguns que morrem de exaustão cortando cana. Rico não vai passear nos canaviais. Nem passarinho vai. Os passarinhos vieram para a cidade.
Talvez seja um ideal de vida nascer anônimo, viver anônimo e morrer anônimo. Também, ninguém vai reclamar as ossadas achadas nos canaviais. Os bichos, a chuva, o sol, já fizeram o seu serviço. Osso branco não traz identificação. E a identificação através das arcadas dentárias não é possível, porque pobre ou é banguela, ou não vai ao dentista.
É enterrar logo essas ossadas, em cova rasa. Pobre não faz falta. Não é noticiário de jornal, e nem sai nas páginas sociais. Quando aparece, é porque ganhou na loteria, ou foi atropelado. E olhe lá!
Telefonam as lotéricas oferecendo-me, a quinze ou vinte reais, bolões de vinte milhões de reais acumulados, porque antes ninguém acertou.
Que faria eu com vinte milhões de reais? Seria imediatamente assediado, bajulado e me ofereceriam negócios da China. Teria, mais do que nunca, de me trancar em casa e mandar todo mundo às favas. Mas eles não iriam. Antes, viriam plantar favas no meu jardim. Perturbariam o meu cachorrinho Pichorro e o meu papagaio Horácio.
Talvez eu comprasse um batiscafo, ou um submarino amarelo, para ir viver submerso, entre os peixes e a flora, no fundo dos oceanos. E soltaria para cima bolhas, porque tudo é bolha e bolhufas.
De qualquer maneira, rico ri à toa, e pobre chora as misérias.
O melhor é ir levando. Para onde, não sei.

Anníbal Augusto Gama

próximo texto

HOME

Nenhum comentário:

Postar um comentário