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Perca o tempo, mas não perca o peru

Já disse por aí que perder o tempo é achá-lo. Por isso, não ando em busca do tempo perdido, mas do achado. E, se não o acho, imagino-o.
Há tempo de plantar e tempo de colher; tempo de rir e tempo de chorar. O que não nos falta é o tempo, nós é que faltamos para ele. O tempo é uma mudança, e quanto mais muda é a mesma coisa. A Terra é redonda e andar para trás, sempre para trás, afinal nos deixa no mesmo lugar de onde saímos. Na volta ao mundo em oitenta dias, de Júlio Verne, o cavalheiro inglês, depois de completar a sua viagem, achou-se, com a seu criado e a sua amada, com uma sobra de um dia todo. E supunha que tinha pedido um dia, quando o dia ainda lhe sobrava.
Quem diz que não tem tempo, na verdade não tem é a si mesmo. São os sujeitos sufocados pelo trabalho, quando trabalhar é meio de vida e não de morte.
Dinorá diz a seu Amadeu:
― Amadeu, quanto tempo perdido...
E à noite, ambos se perdem de novo nos braços um do outro.
Vou pescar, com o meu amigo H. S., e ambos ficamos a ver as águas rolarem. O peixe que não vem é o tempo que pescamos. E não precisa de isca, de anzol e nem de vara.
Ele faz as contas dos conhecidos ou amigos que já se foram: “Morreu Fulano, morreu Beltrano, morreu Cicrano...“ Sobramos nós dois. Os demais já têm um tempo infinito, e talvez não saibam o que fazer com ele.
Na papelada de uma gaveta, acho uma receita para fazer peru, do compadre Cícero. Na sua casa, há muitos anos, passamos uma noite toda preparando o peru, bebendo e conversando. O compadre Cícero era também pescador, e fui eu que o ensinei a pescar.
― Compadre ― ele me diz ― já está amanhecendo, agora é deixar o peru no forno.
Mas o peru grugruleja no quintal.

Anníbal Augusto Gama

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