English French German Spain Italian Dutch Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified

A guerra intestina

Aquele país estava assolado por uma guerra intestina atroz. Pretendem que as guerras intestinas atacam principalmente as nações sul-americanas, o que é verdade apenas parcial. Historicamente, todas as nações já tiveram guerras intestinas, mas a maioria delas, situadas na Europa, ou ao norte das Américas, soube afinal vacinar-se contra a doença epidêmica e já conseguem evitar essa diarréia. Em compensação, envolvem-se na epidemia da guerra total, e também nos arrastam para essa descarga ainda mais fedida e fatal, na latrina.
As guerras intestinas são quase sempre provocadas pelos salvadores da pátria. Tais sujeitos espremem-se, contorcem-se, vão para a privada dez, vinte vezes por dia, e acabam contaminando a parentela, os agregados, os que vão visitá-los e, quando se vê, todo o território está dejetando, por falta de higiene.
Dor de barriga é uma coisa infame. Se não se tomam as devidas precauções, borra-se nas calças. É preciso uma dieta radical para sarar, porque o que entra pela boca fermenta imediatamente e é logo expelido com estrondos que acabam indo de vizinho para vizinho. Logo o tiroteio está em todos os lugares e a bombarda expande-se.
Também as nações ditas civilizadas são fabricantes de armas. A cada ano inventam armas mais sofisticadas, acumulam-nas, e é preciso vendê-las para fora. Convencem em pouco tempo os que se acham além das suas fronteiras que é necessário armar-se, e para que servem as armas? Para serem descarregadas contra os supostos inimigos. Ora, os inimigos são naturalmente aqueles que estão mais próximos de nós e podem nos atacar. Eventualmente, o ataque pode ser também exportado. Mas as guerras intestinas, restritas em geral a um determinado território, são então as mais prováveis. Embora sejam também um ensaio para a epidemia total.
Atualmente, há facções de bandidos dentro de cada país. E elas se armam com facilidade, através até dos contrabandos, para se digladiar nas ruas, nas praças, nas vilas e, sobretudo, nas grandes cidades. E a guerra intestina propaga-se, é permanente.
Antigamente indicava-se uma terapêutica salutar: era ingerir anualmente um purgante (o purgante de jalapa, por exemplo), para limpar as tripas. O sujeito recolhia-se, tomava uma dose cavalar do purgante, e ia espremer-se, durante todo o dia, no sanitário. De vez em quando, nos intervalos, víamos o pobre homem na janela: amarelo, abatido, frouxo. Mal o conseguíamos cumprimentar, ao passar pela sua casa, e achá-lo na janela. Logo ele pedia desculpas e afundava-se para dentro. Era o purgante que tornava a fazer efeito.
Rebeliões, motins, golpes de estado, revoluções... Transformavam-se, muitas dessas descargas, em guerras intestinas. E o doente, depois de meses, quando logra sarar, sara à custa de degredos, expurgos, exílios, processos. Convém botar para fora, ou na Cadeia, aqueles que continuam infectados pelo bacilo da diarréia.
Camus escreveu aquele romance extraordinário, A Peste. A peste em Oran. Mas a peste está em todos os lugares, e ataca periodicamente depois de adormecida durante alguns anos. Ela se esconde nos lenços, nos porões, nos ratos, cujas pulgas a vão difundir, de uma hora para outra.
A peste é o próprio homem.

Anníbal Augusto Gama

próximo texto

HOME

Nenhum comentário:

Postar um comentário